sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Para minhas sobrinhas

Tenho duas sobrinhas que me fazem sonhar ser mãe de menina.
Uma é a cara e os passos do pai, nos (muito) bons e nos que a tia aqui acha um saco, como espiritismos, purismos e blablablás. Ficou órfã de mãe muito cedo e passou por ecatombes, diga-se de passagem. Mas ela é tão dona do próprio nariz que tenho certeza de que vai se tornar uma questionadora daquelas que transformam pessoas e mundo, não devagarzinho, mas por terremotos - assim como eu fiz, um dia, na vida. No resto, é um lince - saca tudo de videogame, é fã de Beatles, toca piano, faz o próprio almoço e se põe pra dormir sozinha, na hora certa, sem precisar de ninguém pra apagar a luz.

A outra é um doce de criatura. Tão doce que acata - e se adapta - a todas as groselhas do pai, ora bravo, ora bonachão. Mas na maioria das vezes muito bravo, como qualquer Araujo é - ou deveria ser. E dentro dela explode uma diva, literalmente uma DIVA, que ainda vai criar asas pra ser um vulcão de vida, sabores, texturas, viagens, músicas, porres, talento, leituras, inovações, beleza, savoir vivre. Gabi é mulherão sem nem ter chegado lá ainda e me enche de paixão e energia sempre que a gente se vê, longe ou perto do pai bravo, porque o que tem nela não chega nem a se esconder, mas a se comportar, timida e precisamente, quando a sabedoria fala mais alto.

Aqui em casa tenho dois selvagens que crio entre amores e berros, basicamente. O Isminha brinca de desenhar homem aranha e dar porrada no irmão; o Tom curte morder minhas costas e gritar bem alto e feroz pra eu colocar o filme que ele quer ver; o Isminha passa o dia imitando um Tiranossauro-Rex pela casa enquanto eu tô com cliente no telefone; o Tom coloca o prato no chão e come feijão com as mãos. O resto ele dá pro cachorro, mas não sem antes passar uma bela mãozada de feijão pelo rabo dele. Quando eu mando escovar os dentes, parece que ordenei a câmara de gás. E a tampa da privada tá sempre levantada, com aquela água mijada boiaaaando na vida, porque o carinha tem preguiça de dar descarga. Pois bem.

Nessas horas mentalizo uma princesa. Sim, eu que sempre odiei tons de rosa e histórias de virgem pálida, anel de brilhante e manicure, mentalizo uma princesa. Ela gosta de roupinhas cheirosas e bem passadas e não suporta ficar com as mãos sujas. Ela arruma os ursinhos de pelúcia na estante porque acha uma merda quarto bagunçado. Ei, não preciso nem pedir - isso vem dela. Na tevê, filminhos palpitantes de meninas mal-amadas que sempre têm um final feliz. Sem porrada, sem sangue-muito-vermelho-brutalmente-espatifado-contra-a-tela. A minha menina ama laranja, e sorri. Ela se chama Lenita.

Os dois tupis aqui de casa olham pra ela e se perguntam QUE PORRA ESSA MENINA FRESCA VEIO FAZER NO NOSSO REINO; o pai, que tem como máximo de proximidade com mulher as próprias sobrinhas, no começo vai achar sensacional - pra depois querer morrer, acorrentar no quarto, proibir mundos e fundos, pegar no colo e proibir de novo, afinal macho nenhum vai fazer com a filha dele o que ele fez com as dos outros. E a mãe aqui, do alto de seu trono-torto, vai pegar a mão da pequena, ninar, brigar e chorar junto. Sofrer todas as mazelas - e pisadelas - que acontecem quando você é menina, afinal. E perguntar, quando o mundo dela estiver por um triz, depois de tantas cagadas e erros cometidos, o que minha mãe me perguntou uma vez: filha, do que você precisa?

Enquanto isso, os moleques vão precisar de camisinhas (muitas) e dinheiro pra balada. Eu sei.

PS: esse post também tem trilha sonora: