segunda-feira, 5 de julho de 2010

Crepúsculo que nada - meu negócio é a vampira Eli.

VIDEOTECA DA MULHER GRÁVIDA


Deixa ela entrar

Categoria: terror dramático teen vampiresco da melhor qualidade

País/ano: Suécia, 2008

Duração: 114 minutos


Todo mundo que tem um aborrecente em casa sabe que a onda agora é aquela história toda de vampiros. Principalmente se for UMA aborrecente, pois me parece que, bem mais que os meninos, as garotas é que estão nessa pra valer.


Na época do Harry Potter e suas intermináveis seqüências, não dei a mínima - até porque não tinha sombra de filho nem no calcanhar ainda e, convenhamos, estava muito mais atenta às novas marcas de cerveja do mercado do que à literatura/filmografia teen. Mas agora esses movimentos me chamam a atenção, por motivos óbvios. Então lá fui eu comprar um piratinha pra me inteirar dos porquês das unhas pretas, franjas escorridas em cima dos olhos e aquele quê lúgubre-afetado da galerinha under-15. Ainda não tive coragem de gastar meus 5 reais com Crepúsculo, mas apostei as fichas num filminho sobre o qual tinha lido qualquer coisa umas semanas atrás. Pois bem, amigos: se vocês forem pais de alguma pré-adolescente em dura fase de auto-descoberta (e sei que pelo menos 3 dos meus leitores mais assíduos o são), não sei o que ainda estão fazendo na frente do computador. Deixem ela entrar - assim mesmo, sem hífens nem regras castiças. Porque o filme é foda, triste, sangue nos olhos e desobediente a qualquer regra de boa convivência. Igualzinho à sua filha.


Depois dos 10 primeiros minutos, você já entende por que é que esse mundo vampiresco tem tanto apelo pra molecada. E você entende justamente porque, apesar de não ter lá tanta lembrança no seu cérebro capenga, seu coraçãozinho tem uma memória de elefante e te conta que você já passou por isso e se sentiu do mesmo jeito, ou até pior, quando foi a sua vez. Entrar na adolescência é descobrir a solidão - e não há pai ou mãe, por mais carinhosos e presentes que sejam, que salvem a gente disso. O sentimento de que você tá sozinho no mundo é tão forte e tão grande e tão arrasador que você se tranca a sete chaves, achando que a vida vai acabar. Então, já no começo de "Deixa ela entrar", você vai sentir vontade de sair correndo, arrombar a porta sagrada do quartinho de sua pré-adolescente e dar um abraço, lágrimas escorreeeeendo pelo rosto: "calma, filhota! Mamãe tá aqui!". Mas não faça isso. Pelo menos veja o filme até o fim.


Numa Suécia gelada e quase preta e branca da década de 80 (salva pelo gongo das blusas de lã coloridas), um menininho de 12 anos chamado Oskar, loiro e pálido feito pão Pullman, sofre com a maldade dos colegas filhos da puta na escola. Ele sonha em enfiar a faca no líder da micro-gangue, ensaiando a cena e o discurso sempre que se vê sozinho, por vezes e vezes a fio. E ele é tão só e tão quietinho dentro dessa solidão que você já fica com um nó na garganta e vontade de estripar a molecada com suas próprias mãos. Sei lá, tem adulto que é sangue frio, mas eu sinto um arrepio na espinha só de pensar no meu filho passando por uma dessas. E acho que o Ismael teria que sumir com todas as minhas facas de cozinha, não por causa do pequeno, mas da mãe.


Mas eis que surge na vidinha de Oskar uma amiga. O nome dela é Eli. Tão pálida quanto ele, mas com um plus cadavérico, ela aparece sempre do nada e nunca sente frio. Eli é uma vampira - coisa que a gente sabe desde o começo, em cenas pra lá de sanguinolentas e agressivas, mas que o protagonista só vai sacar lá pelos 2/3 de filme transcorridos. E a amizade, que começa tímida e silenciosa como os dois, logo fica forte - tão forte que vira paixão. Eli é capaz de comer chocolate por amor a Oskar, apesar de vomitar depois como se tivesse engolido veneno de rato, e Oskar é capaz de acobertar assassinatos por Eli, apesar de ficar horrorizado com o que seus olhos presenciam. Num mundo em que os adultos são seres totalmente alienados e as crianças estão desprotegidas de toda a maldade que vem de fora, eles se encontram e vivenciam - ele pela primeira vez, ela pela enésima, em sua vida milenar - a solidão a dois.


Gente, o filme é maduro, triste até o talo, cheio de delicadezas mortais que fazem a gente tremer na base. Mas ajuda a, mais do que entender, lembrar o que é passar pela adolescência. E ela passa, todos nós sabemos (menos para Eli, que vai viver isso até alguém enfiar uma estaca no seu peito de canibalzinha). Só que nossos filhos não sabem, afinal pra eles isso tudo é pra sempre e os anos ainda estão muito lá longe, tão longe que parece que nunca vão chegar. Então ok para as unhas pretas e os rocks emo mela-cueca; ok para a febre por tramas vampirescas e horas a fio de rebeldia e portas de quarto trancadas. Entender e aceitar a própria solidão é tão importante quanto descobrir, daqui a pouco tempo, que é gostoso pra dedéu sair dela. É daí que eles abrem a porta e deixam a gente entrar - de novo, e sempre. E é daí também que vão surgir outros problemas, tipo baladas, sexo sem camisinha, bebedeiras, companhias de-fo-der. Nossa. Que saudade dos tempos da aborrencência solitária.